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IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA DO ADICIONAL DE ICMS SOBRE BENS E SERVIÇOS ESSENCIAIS

Estados vêm mantendo cobranças abusivas apesar das decisões do STF e da LC 194/2022

Por meio da Emenda Constitucional 31/2000, foi criada a possibilidade de que os estados instituíssem um “adicional” na alíquota do ICMS, de até dois pontos percentuais, sobre produtos e serviços supérfluos, para financiamento de Fundos de Combate à Pobreza.

Esse adicional não precisaria observar algumas das regras gerais do ICMS, dentre as quais a destinação de parcela da sua arrecadação aos municípios e a vedação da vinculação de suas receitas a fundos.

Embora tenha sido discutida a natureza jurídica de tal “adicional”, pois possui contornos de uma contribuição, predomina o entendimento de que não constitui um tributo autônomo, mas se trata do próprio ICMS, apesar das distinções estabelecidas pela própria Constituição a seu respeito.

Ocorre que, por se tratar de adicional do ICMS e em razão da própria redação do artigo 82 do ADCT, tais cobranças não poderiam, em tese, incidir sobre bens essenciais. Entretanto, os estados não vêm obedecendo tais diretrizes.

A esse respeito, lembramos que o STF julgou, em dezembro de 2021, Recurso Extraordinário com Repercussão Geral, oportunidade em que julgou inconstitucionais as alíquotas de ICMS incidentes sobre energia elétrica e serviços de telecomunicação instituídas por Santa Catarina, pois eram superiores à alíquota padrão daquele estado (RE 714.139/SC).

Então, foi fixada a seguinte tese: adotada pelo legislador estadual a técnica da seletividade em relação ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), discrepam do figurino constitucional alíquotas sobre as operações de energia elétrica e serviços de telecomunicação em patamar superior ao das operações em geral, considerada a essencialidade dos bens e serviços (Tema 745).

Os efeitos da decisão foram modulados, para que surtissem efeitos apenas no exercício de 2024. Posteriormente, o STF declarou inconstitucionais diversas outras normas de outros Estados que, similarmente ao Estado de Santa Catarina, instituíram alíquotas superiores à padrão sobre energia elétrica e serviços de telecomunicação, mantendo o mesmo critério da modulação de efeitos.

Por sua vez, o Legislador Complementar determinou, em junho de 2022, que as operações relativas aos combustíveis, ao gás natural e à energia elétrica, bem como os serviços de comunicações e de transporte coletivo, para fins do ICMS, devem ser considerados essenciais e indispensáveis, não podendo ser tratados como supérfluos.

A alteração se originou do Projeto de Lei Complementar 18/2022, que tivemos a oportunidade de comentar, e acabou sendo convertido na LC 194/2022. Dentre as preocupações que apontamos, é de se ressaltar que, a nosso ver, não se pode encarar essa pequena listagem de itens e serviços essenciais como taxativa, mas meramente exemplificativa, pois é inegável o caráter essencial de diversos outros elementos não listados (por exemplo, itens da cesta básica, medicamentos etc.).

De todo modo, como efeitos práticos da LC 194, os estados não poderão manter alíquotas superiores à padrão para itens e serviços essenciais, tampouco manter as cobranças do adicional do ICMS sobre tais operações e prestações. Afinal, o adicional do ICMS só foi permitido “sobre os produtos e serviços supérfluos” (art. 82, §1º do ADCT).

A despeito disso, diversos Estados têm mantido a cobrança desse adicional até mesmo sobre os itens e serviços listados pela LC 194. Alguns argumentam que podem se valer da modulação de efeitos das decisões do STF, que surtiriam efeitos apenas a partir do exercício de 2024.

Ocorre que a LC 194 possui eficácia imediata, não sendo sequer necessário que os Estados atualizem suas respectivas legislações internas. Isso, porque “a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário” (art. 24, §4º, da Constituição Federal).

Ainda, pode-se até discutir a aplicação retroativa de tais disposições da LC 194, haja vista que a Lei Complementar não possui o condão de mitigar a competência tributária estadual, mas de regular a competência de tributar, servindo como instrumento oficial da interpretação dos dispositivos constitucionais. E, por se tratar de uma norma interpretativa, seria aplicável a fatos pretéritos.

Por outro lado, deve-se ponderar que, uma vez que o STF modulou os efeitos de suas decisões no julgamento do RE 714.139/SC e das diversas ADIs contra leis estaduais que instituíram alíquotas superiores à padrão para itens e serviços essenciais, entendimento similar poderá ser aplicado em relação às cobranças de adicionais do ICMS para bens supérfluos. De todo modo, entendemos que, a rigor, o entendimento também deve ser aplicado para as operações do passado.

Fonte: Jota